A banda A Virgo, de Novo Hamburgo, lançou seu segundo álbum de estúdio, Dois Verões ou a Viagem de Sífero, aprofundando a sonoridade construída nos últimos anos com um trabalho que combina densidade e leveza, letras introspectivas e um processo coletivo de criação. Produzido de forma independente e gravado com apoio da Secretaria Municipal da Cultura de Novo Hamburgo, por meio da Lei Paulo Gustavo, o disco reforça a cena alternativa fora das capitais no sul do Brasil e consolida o grupo como parte dessa movimentação musical que se desenvolve longe dos grandes eixos.
O título do álbum faz referência a dois momentos vividos pela banda durante um fim de semana no litoral gaúcho — um dia chuvoso e outro ensolarado — e ao mito de Sísifo, reinterpretado a partir de uma brincadeira entre os integrantes como “Sífero”, figura que simboliza o esforço contínuo de quem insiste em criar. A história por trás do nome reflete o próprio percurso do grupo como banda independente: fazer por prazer, mesmo diante das dificuldades.
Com faixas como Eu Sei (Nada Vai Mudar) e E Já Passou da Hora, o álbum reúne dez músicas inéditas e conta com participações de artistas ligados ao coletivo Outro Mundo Acontece, de Novo Hamburgo. Zilladxg, Robson Klein (trompete), Madu Santos, Marjana Elisa, Pabli Spielmann e Gabriel Ost integram esse grupo, gravando os coros das músicas e contribuindo para a atmosfera coletiva que a banda carrega ao longo do disco. O coletivo vem se consolidando como uma das forças produtivas do novo cenário musical do Rio Grande do Sul, articulando ações culturais e movimentando a cena independente da Região Metropolitana de Porto Alegre. A produção, mixagem e masterização do disco são de Rafa Decarli, com coprodução de Leonardo Broilo.
Além das colaborações, os integrantes Rafa Decarli, Victor Vitinho, Patrick Bruxel e Guilherme “Nino” Moraes assinam as composições, arranjos e gravações. Se no primeiro álbum da banda, Sofá 7, todo o processo de produção foi conduzido individualmente por Rafa Decarli — da gravação à mixagem —, Dois Verões ou a Viagem de Sífero marca uma virada coletiva na trajetória do grupo. Agora, as canções refletem a contribuição criativa de todos os integrantes, com diferentes vozes, ideias e formas de compor. O álbum também mantém trechos de conversas e risadas entre faixas, reforçando seu caráter espontâneo e conjunto.
Sem seguir fórmulas comerciais, o álbum evita estruturas convencionais: nenhuma faixa tem menos de três minutos, e muitas exploram construções mais livres. A escolha foi intencional, segundo a banda, como forma de valorizar a liberdade de criação no contexto independente. A música “Tô Pensando em Parar/Tô Sem Fogo” exemplifica essa abordagem ao combinar duas canções opostas em uma mesma paisagem sonora. Para o grupo, manter esse formato é uma maneira de se distanciar da produção musical padronizada, mesmo quando há elementos pop em algumas faixas.
A sonoridade transita entre rock alternativo, lo-fi, neo psicodelia contemporânea e referências à música brasileira. O grupo cita como influências nomes como Stereolab, Mombojó, Broadcast, Thundercat, Tame Impala, Clube da Esquina e Júpiter Maçã. O resultado é um disco que valoriza o processo de criação coletivo, da troca de referências, experiências e emoções e que, por conta disso, não se prende a estruturas predefinidas. Em vez disso, se apresenta como uma grande onda: fluida e imprevisível — alternando momentos de calma e intensidade.
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Texto por Leonardo Serafini.
